segunda-feira, 17 de maio de 2010

Os Museus e as tradições

“ Sendo Évora uma cidade com um valor histórico e patrimonial único e inquestionável, que por isso mereceu a reconhecida classificação da Unesco, necessita de uma oferta mais contemporânea e diversificada que contribua para o seu rejuvenescimento cultural pretendendo-se com este protocolo contribuir para a colocar, à sua escala, no roteiro das cidades “Capitais do Design”. Desse modo diferenciado, habilita-se a atrair novos públicos, novos investimentos e novas populações. Nesse contexto propõe-se a criação de um núcleo museológico e de massa crítica na área do Design, capaz de desenvolver acções de promoção da cidade enquanto centro privilegiado de pensamento contemporâneo”.
Assim sustenta o protocolo celebrado entre o Município de Évora, o Turismo do Alentejo e o Coleccionador Paulo Parra, a necessidade da instalação do “Museu do Design – Colecção Paulo Parra” na cidade de Évora.
A ideia é de louvar, uma parceria público-privada para a instalação de um equipamento cultural na nossa cidade. De facto a noção que os forasteiros têm de Évora, é a de uma cidade culturalmente activa, com uma Universidade centenária, e com um notável Património Imaterial e Edificado que radica numa história milenar. Estariam à partida criadas todas as condições para que tal iniciativa se concretizasse.
É isso inclusive que transparece dos objectivos propostos:
“- Criar e manter em Évora um Museu de Design com o acervo da Colecção Paulo Parra com vista à sua digna apresentação ao público nacional e internacional;
- Desenvolver uma linha de programação e de investigação na área do Design;
- Sensibilizar o público em geral para a problemática do Design e da Cultura Projectual;
- Informar e formar os públicos especializados e profissionais na área do Design e da cultura em geral;
Iniciar um processo articulado e coerente de musealização do “Design Português”;
- Elaborar um projecto museológico dinâmico com uma forte vertente de investigação e de experimentação. Proporcionando um Museu flexível, multifuncional, com zonas abertas ao público em geral e com espaços dedicados a formação por intermédio de Workshops, seminários e laboratórios;
- Criar um Museu de Design que contribua para reforçar a qualidade do ensino e investigação do design na EU, bem como do ensino do design e investigação noutras entidades nacionais e internacionais, por via da disseminação de informação associada ao acervo em causa e pela promoção de acções relacionadas com a investigação científica na área;
- Criar um Museu que contribua para permitir o posicionamento de Évora como centro cultural integrado nas grandes Capitais Mundiais do Design.”
Quer-me parecer entretanto que tudo isto navega um pouco entre Cervantes e Gil Vicente, melhor dizendo, entre D. Quixote e Mofina Mendes.
Em primeiro lugar porque quixotescamente, este generoso empreendimento pretende transformar Évora numa das “Grandes Capitais do Design,” Informar e formar os públicos especializados e profissionais nas áreas do Design e da Cultura em geral? Ambiciosa generalização esta, e é aqui que entramos no campo da Mofina Mendes. Com que meios?
O que pensa disto a UE? Já que é referida como parceira na consecução do projecto. Onde estão os estudos feitos que permitam afirmar de forma tão taxativa que o referido Museu seja não só um pólo de atracção turística, mas também um catalisador para a fixação de novas populações?
Poderia continuar este tipo de questões, creio no entanto que estas são bastantes para legitimar as minhas dúvidas. Trata-se de contar com os ovos de Mofina, ampliados à dimensão dos gigantes de Quixote.
Tudo isto seria menos controverso, até mesmo pacífico, se, tratando-se de uma parceria, os riscos do projecto, nem falo dos putativos ganhos, fossem equitativamente repartidos, a começar pela criação de um espaço de raiz onde se instalasse o Museu do Design, mas não.
Foi decidido, diria mesmo congeminado, pelos intervenientes, desalojar o Museu do Artesanato – centro de Artes Tradicionais, para dar berço ao nascituro, e aqui reside o busílis. Encerra-se um espaço museológico, reaberto há dois anos, cuja recuperação custou mais de um milhão de Euros, para fazer mais obras de adequação e substituir o acervo exposto, e que é público, com o fito de lá instalar uma colecção que continuará, por contrato, a ser privada.
Isso é decidido numa olímpica indiferença pela opinião dos contribuintes, e justificado através de uma resposta dada numa entrevista radiofónica e de comentários mais ou menos anónimos em Blogues, que felizmente ainda não estão sujeitos ao lápis azul e nos vão dando conta do que por cá se passa.
É triste, esta falta de transparência, como é penoso ouvir, que o Museu do Artesanato, não se justifica por não ser auto sustentável, ou que não passa de um Centro de Artes Tradicionais, ou que o seu acervo tem paralelo no comércio local, não se justificando por isso a sua existência, ou ainda que não vai desaparecer sendo o seu espólio, reafirmo espólio, absorvido pelo acervo da Colecção Paulo Parra.
Com que direito?
Como é possível desqualificar desta forma um repositório cultural de tantas gerações, a matriz representada de uma região, alegando que um outro museu trará mais gente, sustentar-se-á no curto prazo, (dez anos constituem a vigência do protocolo), transformará Évora numa das Capitais do Design.
Em que se baseiam para afirmar isso?
Quem vos garante que os próximos inquilinos do Sertório não farão o mesmo e instalarão um Museu do que for mais conveniente na Arena de Évora por exemplo?
Instalem o Museu do Design noutro sítio, a população agradece. Se o fizerem ganha-se mais um Museu, se insistirem neste projecto, perde-se muito mais do que um Museu. Perde-se cultura, perdem-se referências.

Miguel Sampaio in Diario do Sul 17 Maio 2010

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