quinta-feira, 16 de junho de 2011

Se houver bom senso o Museu do Design não irá abrir portas






Carmelo Aires, membro da direcção da associação Perpetuar Tradições que defende a manutenção do Museu do Artesanato

18:31, quinta-feira, 16 de Junho de 2011

Luís Maneta | in Registo


Qual o fundamento da queixa apresentada pela Perpetuar Tradições em Bruxelas?
Não é propriamente uma queixa. Trata se de uma denuncia a Bruxelas por incumprimento de regulamentos comunitários relativos ao financiamento de projectos. Em termos práticos quer dizer que o projecto que conduziu à execução do Centro de Artes Tradicionais, vulgo Museu do Artesanato, foi coberto financeiramente, entre outros, por verbas do terceiro Quadro Comunitário de Apoio, sendo que esses fundos são aplicados ao abrigo de regulamentos comunitários que implicam uma serie de obrigações. Nomeadamente a manutenção do projecto durante um determinado período de tempo, tal como apresentado na candidatura, o não desvio dos objectivos do projecto e a manutenção dos postos de trabalho. Ou seja, aquilo para que a Comissão Europeia deu o dinheiro tem de ser cumprido.

E isso não aconteceu no caso do Museu do Artesanato?
O projecto foi acompanhado por uma comissão cientifica formada pela Universidade de Évora, Museu de Évora, Instituto Português de Museus, um representante da antiga Comissão Inter Ministerial para o Artesanato, ou seja uma comissão formada por pessoas competentes dentro desta área e que atestou a sua validade cientifica, tendo sido a Região de Turismo de Évora que o executou e se candidatou aos fundos comunitários.

E depois?
Quando a Região de Turismo de Évora se extinguiu e essas responsabilidades passaram para a Entidade Regional de Turismo (ERT) do Alentejo verificou-se um decréscimo do interesse da parte dessa entidade relativamente à manutenção das responsabilidades que lhe competiam por herança, digamos assim, quando ao projecto. O Museu do Artesanato foi deixado progressivamente ao abandono.

Desinvestiu-se?
Desinvestiu-se, efecutaram-se retiradas do acervo com justificações de que os custos não cobriam minimamente as despesas, deixou-se de promover exposições temporárias e o núcleo central da exposição, valiosa do ponto de vista da riqueza do artesanato, foi-se perdendo. Retiraram-se verbas, funcionários, até que o projecto deixou de andar para a frente. Contrariamente àquilo que era de esperar, que depois da fase de instalação se incentivasse uma nova dinâmica com ligação às escolas, que estava prevista, e aos artesãos, tal como consta da memória descritiva apresentada a Bruxelas, notou-se uma regressão de todos estes aspectos.

Acha que foi uma decisão intencional?
Achamos que foi intencional porque não se encontram outras razões que justifiquem estas atitudes. Alguns dos argumentos utilizados, como a falta de recursos financeiros, acabam depois por vir a ser desmascarados quando aparece o protocolo assinado entre a entidade que tem a responsabilidade do projecto, a Câmara Municipal de Évora, e o coleccionador Paulo Parra.

Em resumo: entende que foram utilizados apoios comunitários para um projecto que não foi executado como estava previsto. Esse dinheiro terá de ser devolvido?
De facto o projecto não foi executado, não foi cumprido nos prazos, objectivos e portanto agora temos vários graus de responsabilização que podem ser accionados pela Comissão Europeia. Primeiro vai-se verificar se há ou não matéria para levantar um inquérito e nós entendemos que há. Depois serão ouvidas as entidades nacionais responsáveis, em primeira linha, por vigiar e estabelecer o controle dos dinheiros comunitários aplicados ao projecto e depois a Comissão decidirá e proporá ao Estado Membro a solução a adoptar. Se este não der resposta satisfatória, será interposta uma acção que pode ir até à devolução das verbas. Digo que pode ir porque haverá cenários intermédios.

O projecto inicial foi comprometido?
Se não fosse assim não tínhamos avançado com esta denúncia. Antes de fazer a denúncia fizemos contactos e tentamos por várias vezes durante seis meses que a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo resolvesse, como era sua responsabilidade, o problema do incumprimento. As respostas que nos dão ao fim desses tempo é a de que oficiaram por duas vezes a Turismo do Alentejo.

Houve omissão pela CCDR?
Não fizeram o que lhes competia no controle da aplicação das verbas num quadro comunitário de apoio e por isso ainda demos uma data limite para que nos fosse dada uma resposta concreta. Ultrapassado esse prazo avançámos com a denúncia. Sempre dissemos que iríamos utilizar todos os meios legais ao nosso alcance para eliminar este desvirtuamento e liquidação do projecto do Museu do Artesanato e que iríamos directamente mais acima, até Bruxelas. Demos tempo mais do que suficiente para obter uma resposta.

Esta é a única forma de parar o projecto?
Neste momento o processo está em Bruxelas onde já tem catalogado o número que o identificará. A denúncia está oficialmente registada e aguardamos que a Comissão Europeia através dos serviços competentes nos diga o que e se vai passar. Naturalmente que seremos também ouvidos durante o decurso deste processo.

Acredita que tudo possa voltar atrás e que o Museu do Artesanato seja reaberto?
Não posso pensar de outra forma. Seria muito mau se um projecto que não é cumprido, que é desvirtuado, acabasse por manter-se nesta situação com a complacência das autoridades nacionais e de Bruxelas. Isso levar-nos ia a tirar outras ilações que não queremos sequer acreditar possam existir. Fizemos todas as diligências nacionais e elas não resultaram. Fizemos esta junto de Bruxelas e estamos convencidos que, pelo menos, o processo de criação do Museu do Design terá que parar e ser repensado.

Não conheço ninguém, além da Câmara de Évora, da Turismo do Alentejo e do próprio coleccionador que defenda esta solução, pelo menos de forma pública? Porquê esta insistência no projecto?
Sabe que eu tenho feito essa pergunta a mim mesmo. O que é que levará a Câmara de Évora e o responsável da Turismo do Alentejo a prosseguir neste caminho? A Câmara Municipal de Évora diz que entra nisto porque a Turismo do Alentejo lho propôs. A ERT diz que foi a Câmara que iniciou a abordagem com vista a uma solução para acolher a colecção de Paulo Parra. Não sei quem é que começou, quem está a falar verdade. O que é facto é que o presidente da Turismo do Alentejo, nas suas várias intervenções públicas, tem posto uma tónica grande em tudo aquilo que é regional, na nossa matriz cultural, na nossa identidade.

Mas neste caso?
Neste caso concreto, a sua actuação é totalmente ao arrepio do que diz no contexto de outras marcas de identidade cultural. Se há alguma questão de natureza política ou pessoal por parte destas entidades não sei. Na Perpetuar Tradições, as pessoas que estão envolvidas são de espectros políticos vários e aquilo que nos move são razões de verdadeira cidadania pelo que a nossa posição não é político-partidária. É uma posição política, e ainda bem que é porque representa aquilo que de mais nobre existe na política, o assumir de posições em defesa daquilo em que acreditamos.

A associação não está contra um Museu do Design?
Exacto. Apenas achamos que não é compatível coexistir o Museu do Artesanato com o do Design industrial. Em primeiro lugar pelas características do espaço, que de si já é exíguo e não podia ser considerado museu por não poder cumprir todas as alíneas que o Instituo Português de Museus exigia para que fosse considerado como tal. Depois porque esta mistura não faz sentido.

Como assim?
O Museu do Artesanato foi pensado para salvaguarda e divulgação da memória colectiva dos alentejanos traduzida na sua arte popular. Não é para ser misturável nem minimizada face a uma colecção de design industrial oriunda de um conceito de globalização e de fabricação que tem toda a sua dignidade e que, com vantagens até para própria colecção, poderia ser instalada num outro sítio. Indicámos sugestões às pessoa que defendem essa mistura, nomeadamente nos armazéns da Palmeira, que a actual Câmara sempre deixou ao abandono inviabilizando o Museu de Arte Contemporânea de Évora, áreas no edifício dos Leões onde há um curso de design e onde o próprio Museu teria todo o sentido existir.

Não é por falta de espaço que não se equaciona outra solução?
Não, não é por falta de espaço alternativos. Em todo o caso, compreendo que é mais fácil pôr os ovos onde já existe um ninho. Está ali um espaço que foi construído com verbas públicas, tem um acervo público, está no centro da cidade … e depois logo se tenta arranjar maneira de dizer que a pedra lascada também é design e ligar aquilo tudo com o artesanato, com o que não pode ser justificável. Além disto, há frases e justificações para esta coexistência que são megalómanas e ridículas como a de Évora se poder transformar numa capital do design e entrar no grande roteiro das cidades mundiais do design.

Como analisa o papel da Câmara de Évora em todo este processo?
O actual mandato tem muito poucas obras que se possam ver. A concretizar-se, o Museu do Design seria algo mais que se apresentava como realização mas mesmo assim seria um insucesso. A Câmara tem uma posição de teimosia em todo este processo. Tem havido pouca sensibilidade e conhecimento daquilo que é o artesanato e a arte popular em termos de conceitos e identificação. Quando a vereadora do pelouro diz que as peças do Museu do Artesanato se podem encontrar em qualquer loja da cidade penso que mostra a pouca sensibilidade sobre o acervo que ali está e mostra desconhecimento sobre todo o seu trajecto desde os anos 60 e todo o esforço das gerações que estiveram na sua origem.

Falou em teimosia?
Estabeleceu-se um braço de ferro, a partir da Câmara, entre quem defende aquele projecto, o coleccionador que quer ver a sua colecção valorizada num espaço central da cidade, e as personalidades de mérito reconhecido que compõem a Comissão Municipal de Arte, Arqueologia e Património. A comissão pronunciou-se contra este projecto. E a Câmara de Évora ignora esta posição? A própria ministra da Cultura afirmou em documento escrito que o Museu do Artesanato tem validade para continuar e ser reforçado e o seu parecer é negativo relativamente à mistura que se pretende fazer entre arte popular com design.

Entretanto, o Museu do Artesanato está fechado. E o do Design não abriu.
Já foram realizadas obras no edifício, não se sabe quais, que estão na área de protecção do Igreja de São Francisco. Foram efectuadas obras que não foram dadas a conhecer à Direcção Regional do Ministério da Cultura. A Primavera já lá vai e o museu ainda não está aberto, com tudo o que isso implica de prejuízo para a cidade numa altura em que o fluxo de turistas é crescente. Considero que se houver bom senso o Museu do Design não irá abrir portas e a via do diálogo deve ser privilegiada, sendo que a mistura da colecção de design com o artesanato e a arte popular, naquele espaço, é inegociável para a Perpetuar Tradições.

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