sábado, 13 de novembro de 2010

O artesanato, o design e o museu que Évora não sabe se quer ter



Por Joana Amaral Cardoso in Público 13 Novembro de 2010

Exemplares de peças icónicas do design industrial, tapeçarias de Arraiolos centenárias. O Museu de Artesanato e do Design pretende fundir uma importante colecção de design industrial e uma de artesanato. A ideia gerou polémica, mas avança no Verão de 2011

Será possível um acordo que junte estes dois acervos num mesmo espaço?
Uma opção cultural ou uma guerra política?

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Parecia uma história simples: o designer e docente Paulo Parra queria ter a sua importante colecção de design industrial exposta ao público em permanência; a Câmara de Évora e a Entidade Regional de Turismo do Alentejo atribuíram-lhe um espaço. Porém, esse é o mesmo espaço do Centro de Artes Tradicionais (CAT) de Évora. E assim nasceu uma polémica.

O Ministério da Cultura (MC), entretanto, opinou que "é favorável à potenciação do projecto existente, em detrimento da criação de um novo projecto que o substitua", manifestando-se, ainda que apenas com um papel de "mediador", como indicou ao PÚBLICO, contra o plano de um novo museu no espaço do CAT. Esse plano foi firmado num protocolo assinado em Julho e prevê a junção dos dois acervos num só Museu do Artesanato e do Design - Colecção Paulo Parra e avança por decisão do Turismo do Alentejo, gestor do espaço.

O pomo da discórdia mora então no Largo 1.º de Maio, junto à conhecida Capela dos Ossos. Trata-se do antigo Celeiro Comum, ocupado desde 2007 pelo CAT de Évora. O edifício setecentista tem cerca de 500 m2 de área expositiva útil e deve, de acordo com o protocolo entre a Câmara de Évora, o Turismo do Alentejo e o coleccionador, acolher um museu que as partes consideram que irá contribuir para "o rejuvenescimento cultural" da cidade e para a colocar "no roteiro das capitais do design".

Oposição ao fim do CAT

A iniciativa coube ao Turismo do Alentejo, que quis acolher um espólio de mais de 2500 peças que já em 2006 suscitara o interesse do então Museu do Design do Centro Cultural de Belém e, mais recentemente, do Museu do Design e da Moda. As obras de requalificação do CAT para acolher o novo museu estão orçadas em cerca de 15 mil euros e a abertura está agendada para o Verão de 2011, para capitalizar o maior fluxo de turistas.

Desde a Primavera que um grupo de cidadãos contesta o plano. Há uma petição online com cerca de 680 subscritores e a recém-criada associação Perpetuar Tradições, dirigida pelo artesão Tiago Cabeça, agrupa cerca de cem artesãos, ex-dirigentes e historiadores que prometem "accionar todas as providências que o Estado democrático permite" para impedir a fusão dos dois espólios num sítio que pertence ao CAT, como diz João Andrade Santos, da direcção da associação e ex-dirigente (CDU) da extinta Região de Turismo de Évora, que instalou o centro.

Mas numa coisa tanto os detractores do projecto quanto os seus defensores concordam: "O turista que vem a Évora vem a uma cidade Património da Humanidade à procura da sua identidade", diz Inês Secca Ruivo, designer e docente da Universidade de Évora, que será com Paulo Parra membro da direcção executiva do futuro museu. "Mas deve haver uma oferta diversificada", sublinha. E aqui nasce a discórdia. "Uma colecção de design industrial é produto de um outro tipo de cultura, da globalização - são coisas diferentes", assinala Carmelo Aires, ex-vereador (PSD) e membro da direcção da Perpetuar Tradições.

Identidade e diversidade

Secca Ruivo acha que os eborenses têm "outras preocupações", mas a Perpetuar Tradições diz defender a identidade da região. Depois da contestação inicial o protocolo foi revisto e passou a contemplar a junção dos dois acervos. No futuro museu, a ideia é juntar tapeçarias centenárias e olarias do CAT a exemplares das primeiras máquinas de barbear eléctricas, das icónicas máquinas de escrever Olivetti ou dos primeiros walkman da colecção Paulo Parra. Inês Secca Ruivo, que fala em nome do presidente do Turismo do Alentejo, Ceia da Silva, e do coleccionador Paulo Parra - que dirige o curso de Design da Universidade de Évora e é docente na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa -, frisa: "Não é nosso objectivo acabar com a exposição de espólio de artesanato regional, mas sim potenciar o projecto actual, que está moribundo."

Separar custa mais

Em Julho, técnicos da Rede Portuguesa de Museus e da Direcção Regional de Cultura visitaram o Celeiro Comum e indicaram "uma inadequação da proposta de criação de um novo museu, neste espaço e em sua substituição", em parte porque "os dois espólios constituem diferentes narrativas museológicas". Apontando falhas de acompanhamento científico do trabalho do CAT, sublinham os "altos custos da desactivação de uma instituição estruturalmente bem concebida e que pode ser potenciada" com mais meios. O MC, interpelado pelo PÚBLICO, corrobora esta decisão.

A única solução para este diferendo, questionou o PÚBLICO, seria a mudança de espaço? A Perpetuar Tradições sugere alternativas (os Armazéns da Palmeira, os Celeiros da EPAC), mas Inês Secca Ruivo diz que a escolha do Celeiro Comum se deve aos desejos do Turismo de poupar recursos - um novo espaço exigiria mais despesa - e de entregar a gestão "a uma equipa com competências". "Não há conhecimento de outra Região de Turismo da Europa que tenha a seu cargo a gestão de um espaço cultural", diz, fazendo eco da vontade do Turismo de se afastar desse papel.

E como uma questão financeira não vem só, os contestatários lembram que foram investidos fundos comunitários nas obras no Celeiro Comum. Responsável pela instalação do CAT, João Andrade Santos considera que o futuro plano para o espaço é "pilhagem de meios públicos". A recuperação custou 1,1 milhão de euros, em parte vindos do programa Leader. O Ministério da Cultura frisa que o uso desses apoios comunitários "obriga ao cumprimento das funções para que foram aplicados".

Ceia da Silva não faz comentários sobre o projecto do Museu do Artesanato e do Design e Inês Secca Ruivo apenas pôde dizer que "não há ali qualquer ilegalidade. O espaço pertence ao Ministério das Finanças e foi cedido ao Turismo do Alentejo. O proprietário é que tem a autorização de uso do espaço".

Com o projecto em curso e obras agendadas para breve, Inês Secca Ruivo dizia, ainda assim, ao PÚBLICO: "Esperemos que não tenha de ser mais uma colecção a sair [do país]." Já a Perpetuar Tradições prometia "tentar impedir que o projecto do CAT seja liquidado". "Se os nossos meios não forem suficientes, seremos os primeiros visitantes do museu para analisar tudo o que diga respeito ao acervo de artesanato. E cá estaremos para lhe pedir contas", promete Andrade Santos.

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