segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Museu de Arte Popular reabre hoje para contar a sua própria história





Ana Dias Cordeiro In Publico 13 de Dezembro de 2010


O caminho do Museu de Arte Popular, em Lisboa, tem sido feito de avanços e recuos. Fechou em 2003 e esteve para não reabrir. Um movimento cívico deu-lhe nova vida. Mas por agora é uma vida parcial


Por agora, será uma reabertura apenas parcial do Museu de Arte Popular (MAP) com a inauguração esta tarde de Os Construtores do MAP - Um Museu em Construção. A exposição contará a história do próprio museu lisboeta e explicará como nasceu a colecção e quem foram os arquitectos, artistas e pensadores envolvidos na sua criação. Depois da exposição, cujo fim está previsto para Maio do próximo ano, a data para a reabertura definitiva do museu continua ainda incerta.

Um ano? Dois? A directora do MAP, Andreia Galvão, não faz previsões. Nomeada há um ano, quando saiu da subdirecção do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar), a arquitecta diz que a instalação e inventariação completa da colecção, actualmente guardada no Museu de Etnologia, também em Lisboa, "é um trabalho titânico" que, não duvida, se fará, mas com tempo. "Há um trabalho de estudo, conservação, restauros, instalação, que é um trabalho de fundo que o museu tem [ainda] de fazer", explicou ao P2.

Foi nisso que começou a envolver-se ao mesmo tempo que foi pondo esta exposição de pé, para garantir que não havia mais atrasos num processo feito de avanços e recuos: em 2006, a então ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, anunciou o fim do MAP e a decisão de acolher no mesmo espaço o Museu da Língua; no ano passado, a actual responsável pela pasta, Gabriela Canavilhas, garantiu que o museu era para manter e que abriria, com certeza, em 2010. Essa garantia seguiu-se ao movimento cívico que juntou nomes como o do crítico de arte Alexandre Pomar e o da empresária Catarina Portas e resultou numa petição contra o encerramento definitivo do museu, fechado em 2003 por falta de condições do edifício.

"Abrir um museu que estava em rota de encerramento já foi um passo de gigante", diz Andreia Galvão, sobretudo devido à "índole da própria colecção, que é claramente de época e de um coleccionador que era o Estado Novo", continua. "É uma colecção completamente híbrida na sua forma de construção porque resulta de uma recolha feita quer por artistas, como [Carlos] Botelho, Tom [Dom Tomás de Melo], e outros, quer por etnógrafos, como Francisco Lage ou [Luís] Chaves."

Expressão do modernismo

A poucos dias da inauguração da exposição, berbequins e outras máquinas ultimam as obras junto ao átrio de entrada onde, intacto, está o mural que representa Portugal, numa síntese do que se pode ver nas restantes salas: as regiões administrativas pintadas em grandes painéis por Paulo Ferreira, Tom, Manuel Lapa, Estrela Faria, Botelho, Eduardo Anahory. Esta é a parte restaurada. A outra metade do edifício entrará em obras brevemente.

Estas pinturas são expressão do movimento modernista português, que fascinou António Ferro, um progressista dentro do Estado Novo que fundou o Museu de Arte Popular. Director do Secretariado de Propaganda Nacional (SPN), mais tarde Secretariado Nacional de Informação (SNI), Ferro travou duras batalhas contra os conservadores do regime em defesa da arte moderna.

Mais do que mostrar peças da colecção - haverá muito poucas - a exposição conta a história do museu porque é isso que é possível fazer neste momento: "É uma história de modernos, vanguardistas, de um Ferro futurista, companheiro destes arquitectos e artistas. Estamos a contar a história desta gente", diz Andreia Galvão.

A partir de hoje, Os Construtores do MAP revelam também as várias fases por que passou este edifício frente ao Tejo, que começou por ser um dos pavilhões (sem janelas) da Exposição do Mundo Português, em 1940, organizada para festejar as datas da fundação do país (1140) e da restauração da independência (1640) e que foi expressão do espírito nacionalista da época. Depois chegou a ser armazém da Cruz Vermelha durante a Segunda Guerra Mundial e esteve para ser o Museu do Povo, abrindo em 1948 com o nome que manteve até hoje.

"Foi um museu mal-amado, não-compreendido e não-interpretado", diz a directora, sobretudo logo a seguir ao 25 de Abril. Esteve várias vezes para ser fechado, nos anos 70 e 80. Foi considerado um "museu fascista", mas, na verdade, defende a arquitecta, com produção "de grande qualidade". "E não só nos murais, [também] nas artes decorativas, na museografia", explica. "Este museu é um museu de comunicação", pensado para mostrar ao mundo o que é Portugal.

Passaram 60 anos e o MAP nunca entrou na lista de museus a remodelar, ficou intacto: "Em parte, a sorte deste museu tem a ver com isso - mantém-se como documento."

Para o interior, voltou agora a cor de origem, "casca de ovo", "com uma doçura que tem muito mais a ver com a terra" do que o branco que durante anos cobriu as paredes.

Em grande parte, o MAP de hoje é, aliás, o MAP de 1948. "Este museu nunca pode renegar o espírito daquele tempo. Porque está cá, está no espaço."

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