sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O ARTESANATO, A MEMÓRIA E A FELICIDADE (3)

Por Francisco Martins Ramos

Como se sabe, o artesanato enriquece a oferta turística, mediatiza o contacto de culturas, cria postos de trabalho, ocupa os mais velhos, gera riqueza e alimenta a dinâmica da mudança, colocando em saudável confronto o passado e o presente.
Os artefactos são um produto que se inscreve naquilo que se entendeu denominar por turismo cultural, embora todo o turismo seja cultural. De facto, os produtos culturais e as atracções desempenham um importante papel turístico a vários níveis, desde a divulgação global da cultura, às acções que enfatizam as identidades locais (Mbaiwa 2004). Na realidade, o conceito totalizante de cultura compreende o que as pessoas sabem e pensam (conhecimentos culturais), como as pessoas se comportam e reagem (comportamentos culturais) e o que as pessoas fazem e manufacturam (artefactos culturais).
O turismo cultural é uma modalidade que se centra, justamente, nos recursos culturais. Ora, os recursos culturais não se limitam aos monumentos, às comunidades e sítios, ao património construído ou aos mitos e lendas. Dizem respeito também aos estilos de vida, às práticas habituais e às actividades passadas e às recentes que sobreviveram e se adaptaram.
O “empowerment” dos produtores de artesanato através da salvaguarda das técnicas tradicionais, da adaptação de técnicas inovadoras (principalmente as que aliviem o esforço físico dos artesão), do empreendedorismo e da utilização de práticas de boa gestão são mecanismos que contribuem seguramente para o sucesso económico do turismo cultural. Trata-se efectivamente de, pela via da cultura, chegarmos à economia.
Aquando da inauguração do Centro de Artes Tradicionais - Museu do Artesanato, em Évora, afirmei que tal projecto demonstrava a riqueza caleidoscópica do artesanato alentejano. Iniciativa de qualidade total, aquele momento marcou um episódio histórico para o enriquecimento da oferta turística eborense e alentejana. A batalha sinuosa que foi necessário travar para a concretização daquela obra só nos pode dar satisfação porque foi uma batalha vencida.
Espaço cultural por excelência, aquele museu corporizou o casamento entre a tradição e a inovação tecnológica, numa afirmação contemporâneo dos mais avançados instrumentos museológicos. O Museu do Artesanato de Évora é, como foi dito na sua inauguração, “a devolução à cidade e ao Alentejo” duma parte do seu património.
Invadir o território de um museu temático existente, descaracterizar uma realidade coerente na sua afirmação sócio-cultural, histórica e identitária, amputar um espaço artesanal por interesses de conveniência, misturar traços culturais com afirmações de modernidades de natureza diversa e antagónica é um crime de lesa-cultura, uma afronta ao legado que nos foi deixado e uma armadilha envenenada à idiossincrasia alentejana. Apetece recordar Sophia: “Eles sabem muito e não percebem nada”.
Parafraseando mais uma vez Sommier (1984), posso concluir afirmando que o artesanato é como a felicidade - só no momento em que desaparece é que damos conta do seu valor. Para aquele artesanato que não resiste ao progresso da sociedade, nada melhor do que mantê-lo preservado, protegido e higienizado pela dignidade museológica de origem.

Bibliografia
MBAIWA, Joseph
2004 “Prospects of Basket Production in Promoting Sustainable
Rural Liveliwoods in the Okavango Delta, Botswana”, International Journal of Tourism Research 6: 221-235
RAMOS, Francisco Martins
2007 Breviário Alentejano, Vale de Cambra: Caleidoscópio
SOMMIER, Gilbert
1984 Presente y Futuro de las Artesanías en la Sociedad
Industrial, Madrid: Ministerio de Industria y Energia

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