Na edição do dia 5 do corrente, o “Diário do Sul” anunciou que a Câmara de Évora e o Turismo do Alentejo acordaram criar um Museu de Design, que deverá abrir já em Julho próximo, segundo a vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Évora. Isso seria uma boa notícia, se não levasse ao encerramento do Centro de Artes Tradicionais, antigo Museu do Artesanato, que desde a sua criação ocupa o edifício do antigo Celeiro Comum, espaço onde aquelas duas entidades públicas pretendem agora expor peças de design do coleccionador privado Paulo Parra.
O Museu de Artesanato Regional foi criado em 1962, com apoios diversos nomeadamente da Fundação Gulbenkian, e foi instalado no antigo Celeiro Comum, primeiro na dependência da Junta Distrital e depois, após o 25 de Abril, da Assembleia Distrital de Évora. Em 1991, quando da transferência das responsabilidades executivas da Assembleia Distrital - até então a cargo do Governador Civil - para uma Mesa eleita por essa Assembleia, o representante do Governo mandou encerrar o Museu, despediu o pessoal ao seu serviço, ficando o espaço e o acervo do Museu inacessíveis durante vários anos, a degradarem-se sem qualquer assistência.
Este encerramento, que na altura classifiquei como um acto de prepotência e incultura, teve pesadas consequências para o edifício, para as peças expostas, e para o conhecimento do Museu por eborenses e forasteiros, pois só viria a ser possível reabri-lo, com um figurino adaptado aos nossos dias e com uma pesada intervenção no espaço exactamente para esse fim, dezasseis anos mais tarde, em Setembro de 2007.
A reabertura do Museu do Artesanato, que passou a chamar-se Centro de Artes Tradicionais por não satisfazer a totalidade dos requisitos definidos pelo IPM para entidades classificadas como Museus, foi rodeada dos maiores cuidados nos planos da museologia e da museografia, tendo as equipas técnicas que levaram a cabo o projecto sido supervisadas por uma Comissão de Acompanhamento formada por representantes da Universidade de Évora, da Comissão Interministerial para o Artesanato, e do Instituto Português de Museus.
A exposição permanente apresenta apenas uma pequena parte do acervo do Museu do Artesanato, e foi enriquecida por peças cedidas por entidades públicas e privadas, no quadro de uma política de parcerias e intercâmbios. Os objectos expostos são enquadrados por catálogos e roteiros dos diferentes tipos de produção artesanal, para além de material filmado descrevendo a produção de cada tipo de objecto artesanal e o seu enquadramento nos locais de origem. Inventários dos artesãos do nosso território e da sua produção podem ser fornecidos pelos funcionários ou consultados nas bases de dados digitais acessíveis ao público.
É este Museu com este suporte documental, representativos da produção artesanal de um dos territórios mais ricos nesta forma de expressão, que a Câmara Municipal e a Entidade Regional de Turismo do Alentejo agora querem destruir.
Estranha-se esta decisão apressada, quando se sabe que o capital turístico do nosso Alentejo é o seu património, natural, construído, humano. Não se compreende esta postura quando é evidente que quem nos visita procura aquilo em que somos diferentes, especiais, únicos. E, obviamente, o artesanato deste nosso território é uma das mais fortes marcas da sua identidade.
Aliás, uma das funções do Museu é precisamente a dinamização do turismo – e da economia – da nossa região, ao facultar informações que levam os turistas a visitar todo o seu território em busca dos produtos que divulga.
Compreende-se que o edifício do antigo Celeiro Comum, um belo exemplo da arquitectura barroca, seja muito apetecido como espaço nobre. O que se não pode compreender é que o investimento de cerca de um milhão de Euros realizado pela Região de Turismo de Évora nesse edifício com vista à reabertura do Museu do Artesanato, financiado com fundos públicos nacionais e comunitários, seja agora desviado desse fim para servir para a instalação de uma colecção privada de design.
Com a agravante de tal colecção poder, nos termos do Protocolo com a Câmara e o Turismo do Alentejo, ao fim de dez anos, ser levado pelo proprietário para qualquer outro lugar, deixando o edifício vazio e a cidade sem Museu do Artesanato nem colecção de design.
Sendo claro que Évora só tem a ganhar com a instalação de mais centros museológicos que podem contribuir para a recuperação de alguns dos muitos edifícios degradados que há na cidade, e que pessoalmente nada tenho contra a apresentação em instalação condigna da colecção de design de Paulo Parra, é por de mais evidente que tal não deverá acontecer se o preço a pagar for o segundo encerramento do Museu do Artesanato Regional.Uma vez, chegou.
Resta-me esperar que o bom senso prevaleça, e impeça esta manifestação de desprezo pela nossa identidade e pela cultura popular.
João Andrade Santos*
(*Antigo Presidente da Região de Turismo de Évora e responsável pela recuperação do Museu. Publicado na edição de 8 de Abril do "Diário do Sul")
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